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WAGNER TISO: O TREM MINEIRO

Wagner Tiso traz em sua música a memória de vozes ancestrais. É difícil distinguir e enumerar tantas fontes: as igrejas de Minas, as melodias ciganas, as harmonias de Villa-Lobos e de Antônio Carlos Jobim, sem falar em outros orixás das canções do mundo. Wagner Tiso derramou essas vozes em seu caldeirão e retirou dele uma música de extrema originalidade, em que às vezes se expressam a alegria e suas alegorias, outras vezes o som da mais funda melancolia.
Wagner sabe navegar pelos mares do passado, inventar o presente e fomentar o futuro. Multiplicou-se: compositor, orquestrador, maestro. Compôs algumas das trilhas sonoras mais notáveis da história do cinema brasileiro, em filmes como Ele, o Boto, A Ostra e o Vento e Jango. Foi band leader do grupo de rock progressivo Som Imaginário, e é também maestro de muitas aventuras sinfônicas. Em suma, um artista sempre múltiplo, mas, paradoxalmente, igual a si.
Aqui vão algumas amostras desse criador de proezas musicais:
A Flor e o Cais é uma canção originalmente escrita para o cinema, depois relançada por Cauby Peixoto durante um espetáculo no Theatro Municipal do Rio de Janeiro, em comemoração dos 60 anos de Wagner Tiso. Foi uma consagração.
A Lenda do Boto foi escrita para a abertura da trilha sonora do filme Ele, o Boto, de Walter Lima Júnior, com a qual Wagner Tiso ganhou todos os principais prêmios do gênero. É uma fantasia sem precedentes na música brasileira, na qual a orquestra exibe todos os seus timbres e constrói uma arquitetura de sonho.
A Matança do Porco é um clássico da banda Som Imaginário. A música foi composta para o filme “Os deuses e os mortos”, de Ruy Guerra. Serviu de inspiração para a cena em que o ator Othon Bastos luta contra um porco, e, depois de matá-lo, desfila pelas ruas de uma pequena cidade carregando-o às costas.
Armina é o maior hit do Som Imaginário, em que Wagner estabelece diálogo entre os desenhos melódicos do jazz, em ritmo de valsa, e o rock progressivo. A orquestração e seus blocos e progressões harmônicas se tornariam um modelo para grande parte das futuras canções derivadas do Clube da Esquina.
Branco e Preto é um samba-jazz com sabor de gafieira. As síncopes de sua levada são dignas de bambas como Geraldo Pereira e Wilson Batista. Já as harmonias e improvisações flertam com o blues.
Caso de Amor é uma parceria de Wagner com Milton Nascimento. É uma valsa triste que, no entanto, serve para celebrar uma amizade de mais de cinquenta anos, desde que os dois formaram a banda “Os W’s Boys” com um grupo de músicos cujos nomes começavam com a letra W, inclusive o do próprio Wagner. Para se adequar aos demais, o nome artístico de Milton mudou provisoriamente para Wilton.
Coração de Estudante chamava-se Tema de Jango. Foi escrita para o documentário homônimo, Jango, de Silvio Tendler, que acompanha a trajetória do ex-presidente. Anos depois a melodia ganhou letra de Milton Nascimento e se tornou hino da campanha pelas “Diretas Já” e pela eleição de Tancredo Neves, primeiro presidente eleito posteriormente à ditadura militar.
Choro de Mãe é um choro pianístico escrito em homenagem à mãe de Wagner, professora de piano. Com suas modulações e sua variação de atmosferas, este choro-canção teria encantado Pixinguinha, Ernesto Nazaré e Tom Jobim – que, aliás, declarou diversas vezes que viu em Wagner Tiso um de seus melhores sucessores.
Fiesta mistura a alegria das festas populares espanholas e o lirismo das peças para violão de Albéniz e Manuel de Falla com o som das senzalas brasileiras.
Os Cafezais Sem Fim é um baião cheio de remelexo em que Wagner descreve as paisagens de sua infância. Parece um trem que atravessa os sertões do norte das Minas Gerais. Para completar, Igreja Majestosa é uma reencenação do universo de sua origem, com seus cânticos, novenas e seus mistérios barrocos.
A surpresa final do conjunto é a canção A Bela Mariana, dedicada à musa homônima de Wagner Tiso, assim como as Liras de Tomás António Gonzaga foram dedicadas à sua Marília de Dirceu.
Em suma, Wagner Tiso nos mostra neste songbook algumas de suas mil faces de criador. Como as imagens de Mestre Ataíde e as esculturas de Antônio Francisco Lisboa, o Aleijadinho, este livro comprova que sua música continuará a tocar nossos corações desde os dias de hoje até o rock and roll da eternidade.

Geraldo Carneiro

WAGNER TISO: O TREM MINEIRO

Wagner Tiso brings in his music the memory of ancestral voices. It is hard to distinguish and enumerate so many sources: the churches of Minas, the gypsy melodies, the harmonies of Villa-Lobos and Antônio Carlos Jobim, not to mention other orixás of the songs of the world. Wagner Tiso poured these voices into his cauldron and transformed them into songs of extreme originality, in which joy and its allegories are expressed at times, and the sound of deep melancholy at others.
Wagner is adept at navigating the seas of the past, inventing the present, and fomenting the future. It expanded: composer, orchestrator, and conductor. He composed some of the most notable soundtracks in the history of Brazilian cinema, in films such as “Ele, o Boto”, “A Ostra e o Vento” and “Jango”. He was bandleader of the progressive rock group Som Imaginário, and is also the conductor of many symphonic adventures. In short, an artist always multiple but paradoxically, equal to himself.
Here are some samples of this creator of musical feats:
“A Flor e o Cais” is a song originally written for the cinema. Later on it was re-released by Cauby Peixoto during a show at the Municipal Theater of Rio de Janeiro. This show celebrated Wagner Tiso’s 60th anniversary, it was a consecration.
“A Lenda do Boto” was written for the opening of the soundtrack of the film “Ele, o Boto”, by Walter Lima Júnior, for which Wagner Tiso won all the main awards of the genre. It is an unprecedented fantasy in Brazilian music, in which the orchestra displays all its timbres and builds dream architecture.

“Matança do Porco” is a classic of the band Som Imaginário. The song was composed for the film "Os deuses e os Mortos", by Ruy Guerra. It served as inspiration for the scene in which actor Othon Bastos fights a pig, and, after killing it, parades through the streets of a small town carrying him on his back.
"Armina" is Som Imaginário's biggest hit, in which Wagner establishes a dialogue between jazz melodic embellishments, waltz rhythm, and progressive rock. The orchestration, harmonic blocks, and progressions would serve as a template for the majority of future songs derived from the Clube da Esquina.
"Branco e Preto" is a samba-jazz song with a "gafieira" flavor (Gafieira is a term used in Brazil to refer to popular dances like "forró" or "arrasta-pé", as well as the spaces where these dances take place). Its rhythmic syncope are worthy of experts such as Geraldo Pereira and Wilson Batista. Harmonies and improvisations, on the other hand, flirt with the blues.
“Caso de Amor” is a partnership between Wagner and Milton Nascimento. It's a sad waltz, but it serves to celebrate a friendship of more than fifty years, since the two formed the band "Os W's Boys" with a group of musicians whose names began with the letter W, including Wagner's name. To adapt to the others, Milton's stage name temporarily changed to Wilton.
“Coração de Estudante” was considered as Jango's Theme song. It was written for the documentary of the same name, Jango, by Silvio Tendler, which follows the trajectory of the former president. Years later, the melody gained lyrics from Milton Nascimento and became the anthem of the campaign for the "Diretas Já" and the election of Tancredo Neves, the first president elected posteriorly to the military dictatorship.
“Choro de Mãe” is a tearful piano melody written in honor of Wagner's mother, a piano teacher. With its modulations and its variation of atmospheres, this cry-song would have delighted Pixinguinha, Ernesto Nazaré and Tom Jobim - who, by the way, declared several times that he saw Wagner Tiso as one of his best successors.
“Fiesta” mixes the joy of the Spanish popular festivals and the lyricism of musical piece written for guitar by Albéniz and Manuel de Falla with the sound of the Brazilian slave quarters.
"Os Cafezais Sem Fim" is a rhythmically rich "baião" in which Wagner describes his childhood landscapes. It appears to be a train traversing the northern Minas Gerais hinterlands. To top it off, “Igreja Magestosa” is a reenactment of its origin universe, with its songs, novenas, and baroque mysteries.
The final surprise of the set is the song "A Bela Mariana," dedicated to Wagner Tiso's homonymous muse, just as Tomás António Gonzaga's Liras were dedicated to his muse, Marlia de Dirceu.
In short, Wagner Tiso shows us some of his thousand creative minds in this songbook. Like the images of Mestre Ataíde and the sculptures of Antônio Francisco Lisboa known as “o Aleijadinho”, this book proves that his music will continue to touch our hearts from today to the rock and roll of eternity.

Geraldo Carneiro

WAGNER TISO: O TREM MINEIRO

Wagner Tiso trae en su música la memoria de voces ancestrales. Es difícil distinguir y enumerar tantas fuentes: las iglesias de Minas, las melodías gitanas, las armonías de Villa-Lobos y Antônio Carlos Jobim, sin mencionar otros orixás de las canciones del mundo. Wagner Tiso derramó estas voces en su caldera y quitó de ella una canción de extrema originalidad, en la que a veces se expresan la alegría y sus alegorías, otras veces el sonido de la melancolía más profunda.
Wagner sabe navegar por los mares del pasado, inventar el presente y fomentar el futuro. Se ha multiplicado: compositor, orquestador, maestro. Compuso algunas de las bandas sonoras más notables de la historia del cine brasileño, en películas como “Ele O Boto”, “A Ostra” y “O Vento e Jango”. Fue lider del grupo de rock progresivo “Som Imaginário”, y también es maestro de muchas aventuras sinfónicas. En resumen, un artista siempre polifacético, pero, paradójicamente, igual a sí mismo.
Aquí hay algunas muestras de este creador de proezas musicales:
“A Flor e o Cais” es una canción escrita originalmente para el cine, luego relanzada por Cauby Peixoto durante un espectáculo en el Teatro Municipal de Río de Janeiro, en conmemoración de los 60 años de Wagner Tiso. Fue una consagración.
“A Lenda do Boto” fue escrita para la apertura de la banda sonora de la película “Ele o Boto”, de Walter Lima Júnior, con la que Wagner Tiso ganó todos los principales premios del género. Es una fantasía sin precedentes en la música brasileña, en la que la orquesta exhibe todos sus timbres y construye una arquitectura de ensueño.
“A Matança do Porco” es un clásico del grupo Som Imaginário. La canción fue compuesta para la película “Os Deuses e os Mortos” de Ruy Guerra. Sirvió de inspiración para la escena en la que el actor Othon Bastos lucha contra un cerdo y, después de matarlo, desfila por las calles de un pequeño pueblo llevándolo en la espalda.
“Armina” es el mayor éxito de Som Imaginário, en el que Wagner establece un diálogo entre los dibujos melódicos del jazz, en ritmo de vals, y el rock progresivo. La orquestación y sus bloques y progresiones armónicas se convertirían en un modelo para gran parte de las futuras canciones derivadas del “Clube da Esquina”.
“Branco e Negro” es un samba-jazz con sabor a “gafieira” (es un término utilizado en Brasil para designar bailes populares, como el “forró” o el “arrasta-pé”, así como los espacios donde se realizan los bailes). Las síncopas de su melodía son dignas de expertos como Geraldo Pereira y Wilson Batista. Por otro lado, las armonías e improvisaciones coquetean con el blues.
“Caso de Amor” es una colaboración de Wagner con Milton Nascimento. Es un vals triste que, sin embargo, sirve para celebrar una amistad de más de cincuenta años, desde que los dos formaron la banda “Os W’s Boys” con un grupo de músicos cuyos nombres comenzaban con la letra W, incluido el del propio Wagner. Para adaptarse a los demás, el nombre artístico de Milton cambió provisionalmente a Wilton.
“Coração de Estudante” se llamaba “Tema de Jango”. Fue escrita para el documental homónimo, “Jango”, de Silvio Tendler, que sigue la trayectoria del ex presidente. Años después, la melodía ganó la letra de Milton Nasciment, y se convirtió en el himno de la campaña para exigir elecciones democrática “Diretas ja”, así como para la elección de Tancredo Neves, primer presidente elegido después de la dictadura militar.
“Choro de Mãe” es un llanto pianístico escrito en honor a la madre de Wagner, profesora de piano. Con sus modulaciones y su variación de atmósferas, este llanto-canción habría encantado a Pixinguinha, Ernesto Nazaré y Tom Jobim, quien, por cierto, declaró varias veces que vio en Wagner Tiso uno de sus mejores sucesores.
“Fiesta” mezcla la alegría de las fiestas populares españolas y el lirismo de las piezas de guitarra de Albéniz y Manuel de Falla con el sonido de las senzalas brasileñas.
“Os Cafezais Sem Fim” es una canción que te inspira a bailar en la que Wagner describe los paisajes de su infancia. Parece un tren que atraviesa el interior del norte de Minas Gerais. Para completar, “Igreja Majestosa” es una recreación del universo de su origen, con sus cantos, novenas y sus misterios barrocos.
La sorpresa final del conjunto es la canción “A Bela Mariana”, dedicada a la musa homónima de Wagner Tiso, así como las Liras de Tomás António Gonzaga fueron dedicadas a su Marilia de Dirceu.
En resumen, Wagner Tiso nos muestra en este songbook algunas de sus mil caras de creador. Como las imágenes de Mestre Ataíde y las esculturas de Antônio Francisco Lisboa, el Aleijadinho, este libro demuestra que su música seguirá tocando nuestros corazones desde hoy hasta el rock and roll de la eternidad.

Geraldo Carneiro

Ser filha do Wagner Tiso é o maior magnetismo!! Meu maestro incomparável. Mestre e herói da minha vida e da arte do planeta!! Que os deuses da música o embalem por toda a eternidade. Meu canto e meu amor mais puro são inteiros para ele e por ele!! Me cura e me salva a cada acorde. Ôh sorte!!

India Tiso

Being Wagner Tiso's daughter is the greatest magnetism! He is my incomparable conductor. Master and hero of my life and the art of the planet! May the gods of music rock you for all eternity. My singing and my purest love are entirely to him and for him! He heals me and saves me with each chord. Oh how lucky am I!

India Tiso

Being Wagner Tiso's daughter is the greatest magnetism! He is my incomparable conductor. Master and hero of my life and the art of the planet! May the gods of music rock you for all eternity. My singing and my purest love are entirely to him and for him! He heals me and saves me with each chord. Oh how lucky am I!

India Tiso

Wagner Tiso e seu som imaginário

Wagner Tiso, maestro das fusões entre popular e erudito, do samba com o jazz, do barroco mineiro com a melodia cigana, das misturas mais criativas e harmoniosas, celebra 60 anos de uma carreira superlativa, plural, ao mesmo tempo singular e generosa. Antes de desbravar sua trajetória, uma das mais expressivas da música brasileira, deixo alguns números que ajudam a dimensionar sua importância: Tiso lançou mais de 30 discos, compôs mais de 30 trilhas, criou mais de três mil arranjos, orquestrou mais de 15 peças autorais e ganhou mais de 20 prêmios ao longo das seis décadas dedicadas integralmente à música.
Da família Tiso, Wagner herdou a original musicalidade. Conta a história que os Tiso, peregrinos e musicais por vocação, saíram no século XIX de Zagreb (cidade que recebeu homenagem de Wagner em forma de música), na Croácia, cruzaram a Hungria, o norte da Itália, o sul da Espanha e o norte da África até chegar ao Brasil, onde enfim criaram raízes nos cafezais sem fim de Minas Gerais (outra bonita homenagem de Tiso). Desse caldeirão musical, sublinhando a forte influência do leste europeu, saiu uma família com múltiplas e interessantíssimas referências e que tem a música como base da sua identidade e memória afetiva.
Na década de 50, o menino Wagner era o acordeonista da família Tiso e levava sua sanfona à Rádio Clube de Três Pontas para acompanhar os calouros. Isso quando tinha apenas 9 anos. Talentoso, intuitivo e autodidata desde sempre. O primeiro contrato profissional, já como pianista e com a mesma rádio, veio em 12 de dezembro de 1960, no dia em que completava 15 anos.
Da infância, destaco também a herança da moda de viola, que embalava as noites frias em volta das fogueiras nas fazendas mineiras, e das trilhas sonoras. Havia um único cinema na região, o trespontano Cine Ouro Verde, e era para lá que Wagner ia todos os domingos já com seu amigo-irmão Milton Nascimento.
Juntos, os dois descobriam a música do mundo (em 90 Wagner lançaria o fantástico disco Baobab) e formaram seus primeiros grupos, como o Luar de Prata, em Três Pontas, e o W's Boys, em Alfenas, ambas no sul de Minas. Lado a lado nos bailes da vida, Tiso e Nascimento foram parar em Belo Horizonte no início dos anos 60, onde mudariam a história da música brasileira junto com os amigos do Clube da Esquina. Antes disso, também em BH, se jogaram no jazz com o Berimbau Trio, que tinha Milton no contrabaixo e no canto.
Ainda sobre bandas e parcerias musicais, destaque para o incrível Som Imaginário, grupo de jazz-rock-sinfônico-progressivo fundado nos anos 70. Era um momento especial de encontros e novidades na música brasileira – e Tiso já deixava sua marca com enorme personalidade e uma produção musical intensa, original e vibrante. Seleciono aqui as composições Armina e A matança do porco pela beleza e importância incontestáveis. Em seguida, vieram os primeiros álbuns autorais, com músicas belíssimas como Choro de mãe, Os cafezais sem fim, A igreja majestosa e Sete tempos.
Agora volto um pouco no tempo rumo ao Rio de Janeiro e sua Copacabana da década de 60. Seguindo o sonho que embalava os músicos de sua geração, Wagner trocou BH pelo Rio em 65 e logo ganhou espaço na noite carioca, onde brilhavam craques como Luiz Eça, Moacir Santos, Cauby Peixoto e Paulo Moura. “Wagner é o maior arranjador brasileiro”, já dizia Paulo, seu amigo, mestre e incentivador. Desde lá, Tiso criou milhares de arranjos para os maiores nomes da nossa música e eternizou seu poderoso estilo na memória do povo brasileiro.
Falando em estilo, ressalto mais duas referências fundamentais na obra de Tiso: Tom Jobim e Villa-Lobos, suas grandes paixões musicais. “Tiso é filho de Tom, neto de Villa, sobrinho de Radamés, primo de Egberto e Edu Lobo”, escreveu certa vez o dramaturgo, poeta e letrista Geraldinho Carneiro, parceiro constante de Wagner. O próprio Tom via em Tiso um de seus melhores sucessores.
As parcerias no cinema merecem um capítulo inteiro. Realço aqui Walter Lima Jr. e Silvio Tendler, fundamentais na caminhada de Wagner como um dos maiores trilheiros do Brasil. Sempre que compõe, mesmo que não seja para cinema ou TV, Tiso imagina uma cena, o que faz com que suas músicas sejam bastante visuais. Isso logo chamou a atenção dos cineastas. Hoje são quase 40 trilhas e os prêmios mais importantes da categoria no currículo.
Abro aqui um parêntese: Wagner diz que músicas são como filhas e, portanto, é impossível escolher uma favorita, mas me arrisco a colocar A Lenda do Boto (para o filme Ele, o Boto, de Walter Lima Jr.) como um dos temas de cinema mais bonitos do mundo e de todos os tempos.
Aliás, foi no cinema que nasceu Coração de Estudante, sua canção mais famosa. Originalmente chamada Tema de Jango, foi composta para o filme Jango, de Silvio Tendler, e só depois ganhou letra do parceiro de toda a vida Milton Nascimento. Para surpresa de Tiso, virou hino da redemocratização. Como dizem por aí: o resto é história. Uma linda historia que celebro hoje e sempre com o maior orgulho.

Joana Goldoni Tiso
Jornalista e filha de Wagner
Madrid, 2 de dezembro de 2022

Wagner Tiso and your “som imaginário”

Wagner Tiso, conductor responsible for the fusions between popular and erudite, of samba and jazz, of Minas Gerais baroque and gypsy melody, of the most creative and harmonious mixtures, celebrates 60 years of a superlative, plural career, at the same time singular and generous. Before exploring his trajectory, one of the most expressive in Brazilian music, I display some numbers that could help measure his importance: Tiso has released more than 30 albums, composed more than 30 tracks, created more than three thousand arrangements, orchestrated more than 15 original pieces and won more than 20 awards over the six decades dedicated entirely to music.
From the Tiso family, Wagner inherited the original musicality. The Tiso’s story states that pilgrims and musicians by vocation, left Zagreb in the 19th century (a city that Wagner composed a tribute song), Croatia, crossed Hungary, northern Italy, southern Spain and the north of Africa until arriving in Brazil, where they finally rooted in the endless coffee plantations of Minas Gerais (another beautiful tribute by Tiso). From this musical cauldron, underlining the strong influence of Eastern Europe, arouse a family with multiple and very interesting references, with music as the basis of their identity and affective memory.
In the 1950s, young Wagner was the accordionist of the Tiso family. He took his accordion to “Rádio Clube de Três Pontas” to accompany the freshmen. At that time he was only 9 years old. He had always been talented, intuitive, and self-taught. On December 12, 1960, the day he turned 15, he received his first professional contract, this time as a pianist for the same radio station.
Regarding his childhood, it is important to highlight the heritage of the viola fashion, which beguiled the cold nights around the bonfires on farms in Minas Gerais, as well as the soundtracks. There was only one cinema in the region, the \"Trespontano Cine Ouro Verde,\" and Wagner went there every Sunday with his regarded brother and friend Milton Nascimento.
Together, they discovered the world's music (Wagner released the fantastic album \"Baobab\" in the 1990s) and formed their first groups, such as \"Luar de Prata\" in Três Pontas and \"W's Boys\" in Alfenas, both in the south of Minas Gerais. Tiso and Nascimento ended up in Belo Horizonte in the early 1960s, side by side at life's parties, where they would change the history of Brazilian music with their friends from \"Clube da Esquina\". Before that, also in BH, they played jazz with the “Berimbau Trio”, which had Milton on the bass and singing.
Still about bands and musical partnerships, the highlight is the incredible Som Imaginário, a symphonic-progressive jazz-rock group founded in the 1970s. It was a special moment of encounters and novelties in Brazilian music – and Tiso was already leaving his mark with an enormous personality and an intense, original and vibrant musical production. I have selected here the compositions “Armina” and “A matança do porco” for their undeniable beauty and importance. Following that were the first authorial albums, with beautiful songs like “Choro de Mãe”, “Os cafezais sem fim”, “A Igreja majestosa” and “Sete Tempos”.
Now I travel back in time to Rio de Janeiro and Copacabana in the 1960s. Wagner left BH to go to Rio in 1965, following the dream that rocked the musicians of his generation, and quickly made a name for himself in Rio's nightlife, where stars such as Luiz Eça, Moacir Santos, Cauby Peixoto, and Paulo Moura shone. “Wagner is the greatest Brazilian arranger”, said Paulo, his friend, master and supporter. Since then, Tiso created thousands of arrangements for our music's biggest names, immortalizing his powerful style in the memories of the Brazilian people.
Speaking of style, I highlight two more fundamental references in Tiso's work: Tom Jobim and Villa-Lobos, his great musical passions. “Tiso is the son of Tom, grandson of Villa, nephew of Radamés, cousin of Egberto and Edu Lobo”, once wrote the playwright, poet and lyricist Geraldinho Carneiro, Wagner's constant partner. Tom himself saw in Tiso one of his best successors.
Tiso’s film partnerships deserve a whole chapter. I highlight here Walter Lima Jr. and Silvio Tendler, fundamental in Wagner's path as one of the greatest film music composer in Brazil. Whenever he composes, even if it’s not for cinema or TV, Tiso imagines a scene, which makes his songs very visual. This soon caught the attention of filmmakers. Today there are almost 40 soundtracks and the most important awards in his curriculum.
I'll insert a parenthesis here: Wagner says that songs are like daughters, so it's impossible to pick a favorite, but I'll take the risk of naming \"A Lenda do Boto\" (for the film \"Ele, o Boto,\" by Walter Lima Jr.) as one of the most beautiful soundtrack in the world.
In fact, it was in the movies that “Coração de Estudante”, his most famous song, was born. Originally called “Tema de Jango”, it was composed for the film “Jango”, by Silvio Tendler, and only later received lyrics by his life partner Milton Nascimento. To Tiso's surprise, it became a redemocratization anthem. The rest, as they say, is history. Definitely a lovely story that I will cherish and remember with pride.

Joana Goldoni Tiso
Jornalist and Wagner’s daughter
Madrid, 2nd of december 2022

Wagner Tiso y su auténtica sonoridad

Wagner Tiso, maestro de las fusiones entre popular y erudito, de la samba con el jazz, del barroco minero con la melodía gitana, de las mezclas más creativas y armoniosas, celebra 60 años de una carrera superlativa, plural, a la vez singular y afable. Antes de explorar su trayectoria, una de las más trascendentales de la música brasileña, dejo algunos números que ayudan a dimensionar su importancia: Tiso lanzó más de 30 discos, compuso más de 30 bandas sonoras, creó más de tres mil arreglos, orquestó más de 15 obras sinfónicas de su autoría y ganó más de 20 premios a lo largo de las seis décadas dedicadas íntegramente a la música.
De la familia Tiso, Wagner heredó la auténtica musicalidad. Cuenta la historia que los Tiso, peregrinos y filarmónicos por vocación, salieron en el siglo XIX de Zagreb (ciudad que recibió homenaje de Wagner en forma de música), en Croacia, cruzaron Hungría, el norte de Italia, el sur de España y el norte de África hasta llegar a Brasil, donde finalmente echaron raíces en los cafetales sin fin de Minas Gerais (otro hermoso homenaje de Tiso). De esta fuente tan heterogénea de musicalidad, subrayando la fuerte influencia de Europa del Este, salió una familia con múltiples y muy interesantes referencias y que tiene la música como base de su identidad y memoria afectiva.
En los años 50, el niño Wagner era el acordeonista de la familia Tiso y llevaba su acordeón a Radio Clube de Três Pontas (ciudad ubicada en el estado de Minas Gerais) para acompañar a los principiantes. Eso cuando solo tenía 9 años. Talentoso, intuitivo y autodidacta desde siempre. El primer contrato profesional, ya como pianista y con la misma radio, llegó el 12 de diciembre de 1960, el día en que cumplía 15 años.
De la infancia también destaco la herencia del uso de la viola, que calentaba las noches frías alrededor de las hogueras en las granjas mineras, así como las bandas sonoras. Había un solo cine en la región, el “trespontano” (originario de la ciudad brasileña Três Pontas) Cine Ouro Verde, y era allí donde Wagner iba todos los domingos ya en aquel entonces su amigo-hermano Milton Nascimento.
Juntos, los dos descubrieron la música del mundo (en el 90 Wagner lanzaría el fantástico disco “Baobab”) y formaron sus primeros grupos, como Luar de Prata, en Três Pontas, y W's Boys, en Alfenas, ambos en el sur de Minas. Lado a lado en los bailes de la vida, Tiso y Nascimento acabaron en Belo Horizonte a principios de los años 60, donde cambiaron la historia de la música brasileña junto con los amigos del Clube da Esquina. Antes de eso, también en BH, se lanzaron en el jazz con el Berimbau Trio, que tenía a Milton en el contrabajo y en el canto.
También sobre grupos y colaboraciones musicales, destaca el increíble “Som Imaginário”, un grupo de jazz-rock-sinfónico-progresivo fundado en los años 70. Era un momento especial de encuentros y novedades en la música brasileña, y Tiso ya dejaba su huella con una enorme personalidad y una producción musical intensa, original y vibrante. Selecciono aquí las composiciones “Armina” y “A Matança do Porco” por la belleza e importancia indiscutibles. Luego vinieron los primeros discos autorales, con hermosas canciones como “Choro de mãe”, “Os cafezais sem fim”, “A igreja majestosa” y “Sete tempos”.
Ahora vuelvo un poco en el tiempo hacia Río de Janeiro y su Copacabana de los años 60. Siguiendo el sueño que se hacía presente en el corazón de los músicos de su generación, Wagner cambió BH por Rio en 65 y pronto ganó espacio en la noche de Río de Janeiro, donde brillaban estrellas como Luiz Eça, Moacir Santos, Cauby Peixoto y Paulo Moura. “Wagner es el mayor arreglista brasileño”, dijo Paulo, su amigo, maestro e incentivador. Desde entonces, Tiso ha creado miles de arreglos para los nombres más grandes de nuestra música y ha eternizado su poderoso estilo en la memoria del pueblo brasileño.
Hablando de estilo, destaco dos referencias fundamentales más en la obra de Tiso: Tom Jobim y Villa-Lobos, sus grandes pasiones musicales. “Tiso es hijo de Tom, nieto de Villa, sobrino de Radamés, primo de Egberto y Edu Lobo”, escribió una vez el dramaturgo, poeta y letrista Geraldinho Carneiro, compañero fiel de Wagner. El propio Tom vio en Tiso uno de sus mejores sucesores.
Las colaboraciones en el cine merecen un capítulo entero. Destaco aquí a Walter Lima Jr. y Silvio Tendler, fundamentales en la caminata de Wagner como uno de los mayores compositores de Brasil. Siempre que compone, incluso si no es para cine o televisión, Tiso imagina una escena, lo que hace que su música sea bastante visual. Esto pronto llamó la atención de los cineastas. Hoy en día hay casi 40 bandas sonoras y los premios más importantes de la categoría en el currículum.
Abro un paréntesis aquí: Wagner dice que las canciones son como hijas y, por lo tanto, es imposible elegir una favorita, pero me arriesgo a poner \"A Lenda do Boto” (para la película “Ele, o Boto”, de Walter Lima Jr.) como uno de los temas de cine más bellos del mundo y de todos los tiempos.
De hecho, fue en el cine donde nació “Coração de Estudante”, su canción más famosa. Originalmente llamada “Tema de Jango”, fue compuesta para la película “Jango”, de Silvio Tendler, y solo entonces ganó la letra del compañero de toda la vida Milton Nascimento. Para sorpresa de Tiso, se convirtió en un himno de la redemocratización. Como dicen: todo lo demás es historia. Una hermosa historia que celebro hoy y siempre con mucho orgullo.

Joana Goldoni Tiso
Periodista e hija de Wagner
Madrid, 2 de diciembre de 2022

Texto para Songbook de Wagner Tiso - dezembro 2022.
Por João Marcos Veiga (jornalista e historiador)

Wagner Tiso diz guardar um baú musical na cabeça, que ele abre logo que precisa criar uma nova composição ou trilha sonora. Elas repousam ali em memórias e referências sempre prontas a se combinarem magicamente. Acessar as partituras do ansiado songbook do artista é mais do que receber um mapa, decifrar e navegar por temas como “Coração de Estudante”, “Choro de Mãe” e “Sete Tempos”. A cada acorde e compasso, percebe-se o próprio pulso da música brasileira da segunda metade do século 20 que encantou o mundo: a sofisticação sem perder a brasilidade, o diálogo de gêneros e ritmos, o sinfônico de braços dados ao popular. O pianista mineiro parece sintetizar como poucos tudo isso.
Wagner é presença marcante em quase todos os momentos da vida cultural brasileira dos últimos 50 anos. O instrumentista correu junto de seu tempo, a ponto de sua trajetória, assim, se confundir com a própria música brasileira nesse período: da bossa nova às vanguardas contestatórias, do diálogo com o jazz internacional ao reencontro com ritmos interioranos e mestres do passado. Nesse percurso, selou uma identidade própria e admirável. Recorrendo ao futebol, paixão que quase se tornou ofício na pré-adolescência, podemos dizer que ele é, sobretudo, um craque. Aquele, de raciocínio rápido, que antecipa a jogada e cujo talento permite não só chegar à meta desejada por todos, mas com toques de classe, requinte e ousadia.
Os caminhos que percorreu e as influências que guardou em seu embornal musical ao longo de mais de seis décadas forjaram um dos maiores pianistas e arranjadores do país, com trabalhos assinados para praticamente todos os nomes do panteão da MPB, do final dos anos 60 em diante. Requisitado por sua capacidade de criar atmosferas únicas, deu roupagens modernas e deixou marcas atemporais na sonoridade do que de melhor se produziu em nosso país - de Milton Nascimento a Gal Costa e Djavan -, além de tecer a identidade sonora do Clube da Esquina. Seus arranjos ampliam o imaginário das músicas de outros compositores a tal ponto que torna-se impossível pensá-las de outra forma.
E mesmo com uma dedicação intensa aos arranjos e orquestrações por décadas, na figura de maestro à frente de importantes projetos nacionais e internacionais, o lado de compositor sempre esteve presente com inventividade e paixão, da infância à maturidade. No repertório dos bailes da vida da pré-adolescência, nos anos 50, já constavam músicas de sua autoria como “Férias” e “Aconteceu” - esta em parceria com o amigo Bituca. Uma infinidade de canções se perdeu na poeira de um tempo em que brincar e tocar comungavam da mesma essência. Nos anos 1960, a bossa nova ainda é forte referência, mas na virada para os 70, Tiso incorpora, principalmente junto ao grupo Som Imaginário, um novo universo musical que passa pelo rock progressivo e instrumental contemporâneo, a exemplo de “Nova Estrela” (I e II, esta com Frederyko) e “A3”.
Mas é a partir de “A Matança do Porco” e “Armina”, ainda com o grupo de rock, que emerge a assinatura única de Wagner, transitando da delicadeza à catarse progressiva e orquestral. Inspirados, os primeiros álbuns autorais, na sequência, trazem ao público pérolas como “A Igreja Majestosa”, “Os Cafezais Sem Fim”, “Zagreb” e “Banda da Capital”. Obras de Wagner também pontuam os discos de Milton Nascimento e de integrantes do Clube da Esquina sempre de forma arrebatadora, como em “Caso de Amor” (letra de Bituca) e “Meu Ninho” (com letra de Ronaldo Bastos e gravada por Beto Guedes).
As criações de Wagner vão de canções que marcaram o século 20, incluindo o hino da redemocratização, até temas eruditos e de caráter fortemente experimental e visual. Não por acaso encontrou-se desde cedo na artesania sonora do cinema, respondendo por inúmeras trilhas de filmes nacionais de destaque, tal como “A Ostra e o Vento”. Parte considerável de seu cancioneiro advém de trabalhos encomendados por cineastas, com temas que conquistaram espaço em seus discos posteriores. Se na tela os sons cumpriam um papel de agregar climas específicos às imagens, músicas como “Santa Efigênia”, “Miranda”, “Chico Rei”, “Fantasia Guarani”, “O Grande Mentecapto” e “Inocência” ganharam vida própria. Admirado por diretores e documentaristas, Wagner decantou em suas trilhas o espírito de um pesquisador astuto e inquieto. O interesse por esmiuçar e investigar ritmos e gêneros, incluindo aqueles ligados a sua origem cigana, renderam-lhe temas como “Fiesta”, presente em novela de sucesso - outras canções como “Dona Beija” também foram parar na telinha.
Apesar da complexidade do que produziu, muitas vezes na companhia única do piano, sua obra afasta-se definitivamente da imagem do autor romântico isolado em seu gênio criador. É um cancioneiro que se dá em diálogo intenso com outros artistas e linguagens contemporâneas. São temas que respiram os lugares e países por onde passou e morou, os bailes da juventude, a experiência tanto de pianista da noite quanto de arranjador, o convívio que estabeleceu com músicos, a proximidade com a intelectualidade brasileira do último quarto do século 20 e o uso que fez dos instrumentos e tecnologias que se apresentavam como novidade. Nos anos 80 e 90, Tiso empreende forte investigação para além da canção formal, junto a sonoridades de outros cantos do mundo (“Baobá”) - e mesmo no palco teatral, com a bem-sucedida opereta “Manu Çuarê”. Sempre conversando com letristas, pensadores e diretores como Henfil, Walter Lima Júnior e Geraldo Carneiro, suas composições emergem desse contexto e trazem parceiros tão diversos como Ferreira Gullar, Murilo Antunes, Fernando Brant e Paulo Sérgio Valle, além de ter musicado um soneto de Luís de Camões.
A música brasileira de Wagner adentra a mesma floresta sonora de Villa-Lobos e Tom Jobim - ao ouvi-los, percebemos uma profusão de sons e cantos que afagam o espírito, mas também com descargas de trovoadas provocativas que deslocam a paisagem comum. Um cancioneiro que não se limita ao Brasil dos holofotes, revirando constantemente o chão da fértil da música popular de nosso país - “O Frevo Ilumina a Cidade”, \"Joga na Bandeira\", “Sambaxixe” e “Olinda-Guanabara”.
Nessa variedade de gêneros que visita em suas músicas, chama a atenção, junto ao caráter visual, uma estrutura bem acabada e de paredes sólidas, como dos tijolos das antigas fazendas mineiras. Fazendo uso ora do lirismo, ora do arrebatamento com precisão e virtuosismo instrumental, Wagner parece entender a música espacialmente, conhecendo praticamente todos os caminhos e o lugar a ser ocupado por cada instrumento e músico. E dessa construção, ele está sempre apto a revistar paisagens do passado com novas cores e mirar o horizonte desconhecido e em constante reinvenção da música. Transitando com naturalidade do cerne da MPB e instrumental internacional às orquestras, o artista ocupa um lugar singular em nossa música, tal qual sua trajetória pessoal.
Natural de Três Pontas, Wagner Tiso é parte de uma família de forte veia artística, descendente de ciganos do leste europeu e que abarcou no sul de Minas através do avô italiano em busca da sorte nos cafezais sem fim da região. Boa parte dos tios e tias cultivava a atuação musical, profissional ou amadora. Essa vivência estava presente em festas familiares, bandas de carnaval, serenatas e performances em rádios e teatros - o grupo de primos tocando acordeon fazia sucesso pelas cidades da região. Não só um cotidiano em que a música estava sempre por perto, mas com formalidade através da mãe Walda Tiso Veiga, professora de piano que levava a sério a educação musical dos filhos entre aulas para a vizinhança e fornadas de pão de queijo para a família em Três Pontas e depois Alfenas. Um conhecimento que trazia solidez, mas pedia novos saltos ao que ele realmente aspirava. Entediado, colocava por vezes improvisações em escalas e arpejos, para desespero da mãe. A música pra ele tinha calor e convidava ao desconhecido.
Na simpática cidade interiorana, a inspiração também brotava das fazendas mineiras onde passava férias junto à família Veiga do pai, Francisco, e de toda a cultura rural do entorno (“Mata-burro”). Uma música, assim, que se manifestava socialmente e corporalmente nas ruas, terreiros, quintas e clubes, porém também num ouvido interno que memorizava o que chegava pelas ondas do rádio, o que se ouvia de trilhas no Cine Ouro Verde e nas orquestras e grupos que passavam pelo Clube Literário e Recreativo de Três Pontas. Com matéria-prima tão rica e talento na ponta do dedo, a diversão era propor novos arranjos ao que se escutava e tocava, com abertura de vozes e acordes modernos ao acordeon e piano. Essa capacidade de dominar a música de uma época, tê-la como base, mas também de reinventá-la, está no cerne dessa geração, sobretudo na figura de Wagner e Bituca, e em tudo que ela fez e compôs.
Sem deixar passar cavalo arreado, como se diz em Minas, Wagner seguiu para Belo Horizonte e depois ao Rio, com destaque ao aprendizado da orquestração moderna na casa do amigo Paulo Moura. Com uma bagagem musical tão pesada e espírito leve, a música do artista mineiro chegou rapidamente aos principais festivais de jazz internacionais logo nos anos 1970 e, depois, aos ouvidos e corações de pessoas do Brasil e do mundo com consistência, vigor e beleza. Um cancioneiro único forjado pelo trem mineiro e cosmopolita de Wagner Tiso.

Wagner Tiso’s Songbook - december 2022.
By João Marcos Veiga (jornalist and historian)

Wagner Tiso says he has a huge musical chest in his mind, which he opens as soon as he needs to create a new composition or soundtrack. They settle in his memories and these references are always ready to magically combine. To access these scores from the artist's longed-for songbook is more than receiving a map, deciphering and navigating through themes such as “Coração de Estudante”, “Choro de Mãe” and “Sete Tempos”. With each chord and measure, one perceives the very pulse of Brazilian music from the second half of the 20th century that enchanted the world: sophistication without losing its Brazilianness, the dialogue of genres and rhythms, the symphonic hand in hand with the popular. The pianist from Minas Gerais seems to synthesize all of this like few others.
Wagner has a strong presence in almost every moment of Brazilian cultural in the last 50 years. The instrumentalist ran alongside his time, to the point of his trajectory being baffled with Brazilian music itself in this period: from “Bossa Nova” (is a Brazilian musical genre that was influenced by samba and American jazz) to the contesting vanguards, from the dialogue with international jazz to the reunion with the countryside rhythms and masters of the past. Along the way, he sealed his identity as unique and admirable. Resorting to football, a pre-adolescent passion that almost became a craft; we can say that he is, above all, a playmaker. The one who thinks quickly, anticipates moves, and possesses the talent to not only achieve the goal desired by all, but to do so with touches of class, refinement, and daring.
For over more than six decades, the paths he took and the influences he carried in his musical luggage shaped one of the country's greatest pianists and arrangers, with works signed by practically every name in the MPB pantheon from the late 1960s onward. Requested for his ability to create unique atmospheres, it gave modern clothes and left timeless marks on the sound of the best music produced in our country - from Milton Nascimento to Gal Costa and Djavan -, moreover generating the sound identity of Clube da Esquina. His arrangements expand the imagination of other composers' songs to such an extent that it becomes impossible to think of them in any other way.
And even having for decades an intense dedication to arrangements and orchestration, as a conductor he was a head of important national and international projects, his composer's side has always been present with inventiveness and passion, from his childhood to adulthood. In the repertoire of pre-adolescent parties, in the 1950s, there were already songs written by him such as “Férias” and “Aconteceu” – a partnership with his friend Bituca. Infinity of songs were lost in the ashes of a time when having fun and playing songs were synonymous. In the 1960s, bossa nova was still a strong reference, but at the turn of the 70s, Tiso incorporated, mainly with the group “Som Imaginário”, a new musical universe that included progressive rock and contemporary instrumentals, such as “Nova Estrela” (I and II, this one with Frederyko) and “A3”.
But it is from “A Matança do Porco” and “Armina”, still with the rock group, that Wagner's distinct signature emerges, moving from a delicate sound to a progressive and orchestral catharsis. Inspired, the first authorial albums, in the sequence, bring to the public pearls such as “A Igreja Majestosa”, “Os Cafezais Sem Fim”, “Zagreb” and “Banda da Capital”. Wagner's works also punctuate the records of Milton Nascimento and members of Clube da Esquina, always in a breathtaking way, as in “Caso de Amor” (lyrics by Bituca) and “Meu Ninho” (with lyrics by Ronaldo Bastos and recorded by Beto Guedes ).
Wagner's creations range from songs that marked the 20th century, including the redemocratization anthem, to erudite themes with strong experimental and visual characteristics. It was not by chance that he became involved in film sound artistry at a young age, being responsible for numerous soundtracks for notable national films such as \"A Ostra e o Vento.\" A considerable part of his songbook comes from works commissioned by filmmakers, with themes that gained space on his later albums. On screen sounds played a role in adding specific moods to the images, songs like “Santa Efigênia”, “Miranda”, “Chico Rei”, “Fantasia Guarani”, “O Grande Mentecapto” and “Inocência” acquired a life of their own. Admired by directors and documentarians, Wagner decanted in his soundtracks the spirit of an astute and restless researcher. His interest in exploring and investigating rhythms and genres, including those linked to his gypsy origin, gave him songs like \"Fiesta\", featured in a successful soap opera - other songs like \"Dona Beija\" also ended up on screen.
Despite the complexity of what he produced, often with only the company of the piano, his work definitely distances itself from the image of the romantic author isolated in his creative genius mind. It is a songbook that portrayers an intense dialogue with other artists and contemporary languages. These are themes that resonate with the places where he went, the dances of his youth, his experience both as a night pianist and as an arranger, the contact he established with musicians, his proximity to the Brazilian intellectuality of the last quarter of the 20th century and the use he made of new instruments and technologies. In the 80s and 90s, Tiso undertook a strong investigation beyond formal song, along with sounds from other corners of the world (“Baobá”) - and even on the theatrical stage, with the successful operetta “Manu Çuarê”. Always talking to lyricists, thinkers and directors such as Henfil, Walter Lima Júnior and Geraldo Carneiro, his compositions emerge from this context and feature partners as diverse as Ferreira Gullar, Murilo Antunes, Fernando Brant and Paulo Sérgio Valle, in addition to having set a sonnet by Luís from Camões.
Wagner's Brazilian music enters the same sound forest of Villa-Lobos and Tom Jobim - when listening to them, we perceive a profusion of sounds and songs that caress the spirit, but also always with a discharge of provocative thunderstorms that displace the common landscape. A songbook that surpasses the Brazilian spotlight hits; constantly turning the soil of the fertile music of our country from all regions - “O Frevo Ilumina a Cidade”, “Sambaxixe” and “Olinda-Guanabara”.
In this variety of genres that he explores in his songs, what stands out, along with the visual character, is a well-finished structure with solid walls, like the bricks of old farms in Minas Gerais. Making use sometimes of lyricism, sometimes of rapture with precision and instrumental virtuosity, Wagner seems to understand music spatially, knowing practically all the paths and the place to be occupied by each instrument and musician. And from this construction, he is always able to revise past landscapes with new colors and aim at the unknown horizon and in constant reinvention of music. Moving naturally from the core of MPB and international instruments to orchestras, the artist occupies a unique place in our music, just like his personal trajectory.
Born in Três Pontas, Wagner Tiso is part of a family with a strong artistic vein, descended from Eastern European gypsies who came to the south of Minas Gerais through their Italian grandfather in search of luck in the region's endless coffee plantations. Most uncles and aunts cultivated musical performance, professional or amateur. This experience was present at family parties, carnival bands, serenades and performances on radios and theaters - the group of cousins playing the accordion was very successful in the cities of the region. Not only an everyday life in which music was always close by, but formality through his mother Walda Tiso Veiga, a piano teacher who took the musical education of her children seriously between classes for the neighborhood and making cheese bread for the family in Três Pontas and then Alfenas. A knowledge that brought solidity, but asked for new leaps to what he really aspired to. Bored, he improvised in scales and arpeggios, much to his mother's despair. For him, music was warm and invited the unknown.
In the friendly countryside town, inspiration also came from the farms where he spent holidays with the Veiga family of his father, Francisco, and from the surrounding rural culture (“Mata-burro”). A music that manifested itself socially and bodily in the streets, “terreiros” (big piece of rural land), farms and clubs, but also in an inner ear that memorized what arrived as radio waves, what was heard from soundtracks at Cine Ouro Verde and in the orchestras and groups that passed through the Literary and Recreational Club of Três Pontas. With such rich raw material and talent at the tip of his finger, the fun was proposing new arrangements to what was heard and played, with opening voices and modern chords to the accordion and piano. This capacity to dominate the music of a time, to have it as a base, but also to reinvent it, is at the heart of this generation, especially in the figure of Wagner and Bituca, and in everything that this generation did.
Not allowing a harnessed horse (“cavalo arriado”, meaning good opportunities) pass by, as they say in Minas, Wagner went to Belo Horizonte and then to Rio, with emphasis on learning modern orchestration at the house of his friend Paulo Moura. With such a heavy musical baggage and a light spirit, the artist's music reached the main jazz festivals in the world in the 1970s and then reached the world with consistency, vigor and beauty. A unique songbook forged by Wagner Tiso's Minas Gerais and cosmopolitan train.

Texto para Songbook de Wagner Tiso – Diciembre 2022
Por João Marcos Veiga (periodista e historiador)

Wagner Tiso dice guardar una caja fuerte de música en la cabeza, que abre tan pronto necesita crear una nueva composición o banda sonora. Reposan como recuerdos y referencias, que están siempre listos para combinarse mágicamente. Acceder a las partituras del anhelado songbook del artista es más que recibir un mapa, descifrar y navegar por temas como “Coração de Estudante”, “Choro de Mãe” y “Sete Tempos”. A cada acorde y compás, se nota el propio pulso de la música brasileña de la segunda mitad del siglo 20 que encantó al mundo: la sofisticación sin perder la “brasilidad”, el diálogo de géneros y ritmos, el sinfónico de la mano al popular. El pianista “minero” parece sintetizar como pocos todo esto.
Wagner es una presencia notable en casi todos los momentos de la vida cultural brasileña de los últimos 50 años. El instrumentista evolucionó junto a su tiempo, hasta llegar al punto en que su trayectoria se confundió con la propia música brasileña en este período: desde la “bossa nova” (Baile popular y festivo típico de Brasil, de movimiento vivo con influencias del jazz; es una modalidad de samba brasileña) hasta las vanguardias contestatarias, desde el diálogo con el jazz internacional hasta el reencuentro con ritmos folclóricos y maestros del pasado. En este camino, selló una identidad propia y admirable. Haciendo referencia al fútbol, una pasión que casi se ha convertido en su oficio en la preadolescencia, podemos decir que es, sobre todo, un crack: razonamiento rápido, que anticipa la jugada y cuyo talento permite no solo llegar a la meta deseada por todos, pero que llega con toques de clase, perfección y audacia.
Los caminos que recorrió y las influencias que guardó en su equipaje musical durante más de seis décadas crearon uno de los mejores pianistas y arreglistas del país, con obras firmadas para prácticamente todos los nombres del panteón de la MPB (Música Popular Brasileña) a partir de los años 60. Solicitado por su capacidad para crear atmósferas únicas, concedió aspectos modernos y dejó marcas atemporales en la sonoridad de lo mejor que se produjo en nuestro país - desde Milton Nascimento hasta Gal Costa y Djavan -, además de establecer la identidad sonora del Clube da Esquina. Sus arreglos amplían el imaginario de las canciones de otros compositores hasta tal punto que se hace imposible pensarlas de otra manera.
E incluso con una intensa dedicación a los arreglos y orquestaciones durante décadas, en la figura de maestro al frente de importantes proyectos nacionales e internacionales, la figura de compositor siempre ha estado presente con originalidad y pasión, desde la infancia hasta la madurez. En el repertorio de los bailes de la vida de la preadolescencia, en los años 50, ya había canciones de su autoría como “Férias” y “Aconteceu” – esta, colaboración con su amigo Bituca. Una multitud de canciones se perdieron en la nube de un tiempo en el que jugar y tocar compartían la misma esencia. En la década de 1960, la “bossa nova” sigue siendo una fuerte referencia, pero a finales de los 70, Tiso incorpora, principalmente junto al grupo Som Imaginário, un nuevo universo musical que pasa por el rock progresivo e instrumental contemporáneo, como “Nova Estrela” (I y II, esta con Frederyko) y “A3”.
Pero es a partir de “A Matança do Porco” y “Armina”, todavía con el grupo de rock, que surge la carrera solo de Wagner, pasando de la delicadeza a la catarsis progresiva y orquestal. Inspirados, los primeros álbumes de autor, en seguida, traen al público perlas como “La Igreja Majestosa”, “Os Cafezais Sem Fim”, “Zagreb” y “Banda da Capital”. Las obras de Wagner también puntúan los discos de Milton Nascimento y de los miembros del Clube da Esquina siempre de forma arrebatadora, como en “Caso de Amor” (letra de Bituca) y “Meu Ninho” (con letra de Ronaldo Bastos y grabada por Beto Guedes).
Las producciones de Wagner van desde canciones que marcaron el siglo 20, incluido el himno de la redemocratización, hasta temas eruditos y de carácter fuertemente experimental y visual. No por casualidad se encontró desde temprana edad en la banda sonora del cine, siendo responsable por numerosas bandas sonoras de películas nacionales de éxito, como “A Ostra e o Vento”. Una parte considerable de su cancionero proviene de trabajos encargados por cineastas, con temas que ganaron espacio en sus discos posteriores. Si en la pantalla las canciones cumplían un papel de agregar significados específicos a las imágenes, canciones como “Santa Efigênia”, “Miranda”, “Chico Rei”, “Fantasia Guarani”, “O Grande Mentecapto” y “Inocencia” ganaron vida propia. Admirado por directores y documentalistas, Wagner agregó a sus bandas sonoras el espíritu de un investigador astuto e inquieto. El interés por analizar e investigar ritmos y géneros, incluidos los relacionados con su origen gitano, le dio temas como “Fiesta”, presente en una novela de éxito - otras canciones como “Dona Beija” también terminaron en la pantalla.
A pesar de la complejidad de lo que produjo, a menudo con la compañía única del piano, su obra se aleja definitivamente de la imagen del autor romántico aislado en su genio creador. Es un cancionero que se da en diálogo intenso con otros artistas y lenguajes contemporáneos. Son temas que reflejan los lugares por los que pasó, los bailes juveniles, la experiencia tanto de pianista nocturno como de arreglista, la convivencia que estableció con músicos, la proximidad a la intelectualidad brasileña del último cuarto del siglo 20 y el uso que hizo de los instrumentos y tecnologías que se presentaban como novedad. En los años 80 y 90, Tiso entabla una fuerte investigación más allá de la canción formal, junto con sonidos de otros rincones del mundo (“Baobá”) - e incluso en el escenario teatral, con la exitosa opereta “Manu Çuarê”. Siempre hablando con letristas, pensadores y directores como Henfil, Walter Lima Júnior y Geraldo Carneiro, sus composiciones emergen de este contexto y traen colaboradores tan diversos como Ferreira Gullar, Murilo Antunes, Fernando Brant y Paulo Sérgio Valle, además de haber musicalizado un soneto de Luís de Camões.
La música brasileña de Wagner entra en el mismo paisaje sonoro de Villa-Lobos y Tom Jobim - al escucharlos, percibimos una exuberancia de sonidos y cantos que acarician el espíritu, pero también siempre con descarga de tormentas provocativas que desplazan el paisaje común. Un cancionero que no se limita al Brasil desde el centro de atención, girando constantemente el suelo de la fértil música de nuestro país de todas las regiones - “O Frevo Ilumina a Cidade”, “Sambaxixe” y “Olinda-Guanabara”.
En esta variedad de géneros que visita en sus canciones, llama la atención, junto con el carácter visual, una estructura bien acabada y de paredes sólidas, como los ladrillos de las antiguas granjas mineras. Haciendo uso a veces del lirismo, a veces del ímpetu con precisión y virtuosismo instrumental, Wagner parece entender la música espacialmente, conociendo prácticamente todos los caminos y el lugar a ocupar por cada instrumento y músico. Y de esta construcción, siempre es capaz de explorar paisajes del pasado con nuevos colores y apuntar al horizonte desconocido y en constante reinvención de la música. Transitando con naturalidad desde el corazón de la MPB e instrumental internacional a las orquestas, el artista ocupa un lugar singular en nuestra música, así como su trayectoria personal.
Natural de Três Pontas, Wagner Tiso es parte de una familia de fuerte vena artística, descendiente de gitanos de Europa del Este y que aterrizó en el sur de Minas a través de su abuelo italiano en busca de la suerte en los cafetales sin fin de la región. La mayoría de los tíos y tías cultivaban la actuación musical (de manera profesional o como principiante). Esta vivencia se hizo presente en fiestas familiares, grupo de carnaval, serenatas y actuaciones en radios y teatros - el grupo de primos que tocaban acordeón tuvo éxito en las ciudades de la región. No solo una vida cotidiana en la que la música siempre estaba cerca, pero también con seriedad a través de su madre Walda Tiso Veiga, profesora de piano que se tomó en serio la educación musical de sus hijos entre clases para el vecindario y hornos de pan de queso para la familia en Três Pontas y luego Alfenas. Un conocimiento que traía solidez, pero pedía nuevos saltos a lo que realmente aspiraba. Aburrido, ponía improvisaciones en escalas y arpegios, para desesperación de su madre. La música para él le calentaba el corazón e invitaba a lo desconocido.
En la simpática ciudad del interior, la inspiración también brotaba de las granjas donde pasaba vacaciones con la familia Veiga de su padre, Francisco, y de toda la cultura rural de los alrededores “Mata-burro”. Una música que se manifestaba social y corporalmente en las calles, patios, granjas y clubes, pero también en un oído interno que memorizaba lo que llegaba a través de las ondas de radio, lo que se escuchaba de las pistas en el Cine Ouro Verde y en las orquestas y grupos que pasaban por el Clube Literário e Recreativo de Três Pontas. Con una materia prima tan rica y talento en la punta del dedo, la diversión era proponer nuevos arreglos a lo que se escuchaba y tocaba, con apertura de voces y acordes modernos al acordeón y piano. Esta capacidad de dominar la música de una época, tenerla como base, pero también de reinventarla, está en la esencia de esta generación, sobre todo en la figura de Wagner y Bituca, y en todo lo que hace.
Sin dejar pasar “cavalo arreado” (buenas oportunidades), como se dice en Minas, Wagner se dirigió a Belo Horizonte y luego a Rio de Janeiro, destacando el aprendizaje de la orquestación moderna en la casa de su amigo Paulo Moura. Con un cargado equipaje musical y un espíritu tenue, la música del artista llegó rápidamente a los principales festivales de jazz del mundo en la década de 1970, y después a los oídos y corazones de las personas de Brasil y del mundo con consistencia, vigor y belleza. Un cancionero único concebido por el tren minero y cosmopolita de Wagner Tiso.


A grandiosidade da obra e da carreira de Wagner Tiso são credenciais mais do que suficientes para que o Governo do Estado do Rio de Janeiro, através da FUNARJ, realize este projeto.
É uma iniciativa que nos orgulha. Nele temos a valorização do artista, a preservação do seu trabalho e a democratização do acesso a um repertório rico e fundamental para a compreensão da nossa identidade.
Tudo isso é atribuição da FUNARJ. Há mais de 40 anos, a Fundação apoia e estimula os artistas. E assim seguirá fazendo.

José Roberto Gifford
Presidente da Fundação Anita Mantuano de Artes do Estado do Rio de Janeiro (FUNARJ)

Wagner Tiso’s Songbook - december 2022.
By João Marcos Veiga (jornalist and historian)

Wagner Tiso says he has a huge musical chest in his mind, which he opens as soon as he needs to create a new composition or soundtrack. They settle in his memories and these references are always ready to magically combine. To access these scores from the artist's longed-for songbook is more than receiving a map, deciphering and navigating through themes such as “Coração de Estudante”, “Choro de Mãe” and “Sete Tempos”. With each chord and measure, one perceives the very pulse of Brazilian music from the second half of the 20th century that enchanted the world: sophistication without losing its Brazilianness, the dialogue of genres and rhythms, the symphonic hand in hand with the popular. The pianist from Minas Gerais seems to synthesize all of this like few others.
Wagner has a strong presence in almost every moment of Brazilian cultural in the last 50 years. The instrumentalist ran alongside his time, to the point of his trajectory being baffled with Brazilian music itself in this period: from “Bossa Nova” (is a Brazilian musical genre that was influenced by samba and American jazz) to the contesting vanguards, from the dialogue with international jazz to the reunion with the countryside rhythms and masters of the past. Along the way, he sealed his identity as unique and admirable. Resorting to football, a pre-adolescent passion that almost became a craft; we can say that he is, above all, a playmaker. The one who thinks quickly, anticipates moves, and possesses the talent to not only achieve the goal desired by all, but to do so with touches of class, refinement, and daring.
For over more than six decades, the paths he took and the influences he carried in his musical luggage shaped one of the country's greatest pianists and arrangers, with works signed by practically every name in the MPB pantheon from the late 1960s onward. Requested for his ability to create unique atmospheres, it gave modern clothes and left timeless marks on the sound of the best music produced in our country - from Milton Nascimento to Gal Costa and Djavan -, moreover generating the sound identity of Clube da Esquina. His arrangements expand the imagination of other composers' songs to such an extent that it becomes impossible to think of them in any other way.
And even having for decades an intense dedication to arrangements and orchestration, as a conductor he was a head of important national and international projects, his composer's side has always been present with inventiveness and passion, from his childhood to adulthood. In the repertoire of pre-adolescent parties, in the 1950s, there were already songs written by him such as “Férias” and “Aconteceu” – a partnership with his friend Bituca. Infinity of songs were lost in the ashes of a time when having fun and playing songs were synonymous. In the 1960s, bossa nova was still a strong reference, but at the turn of the 70s, Tiso incorporated, mainly with the group “Som Imaginário”, a new musical universe that included progressive rock and contemporary instrumentals, such as “Nova Estrela” (I and II, this one with Frederyko) and “A3”.
But it is from “A Matança do Porco” and “Armina”, still with the rock group, that Wagner's distinct signature emerges, moving from a delicate sound to a progressive and orchestral catharsis. Inspired, the first authorial albums, in the sequence, bring to the public pearls such as “A Igreja Majestosa”, “Os Cafezais Sem Fim”, “Zagreb” and “Banda da Capital”. Wagner's works also punctuate the records of Milton Nascimento and members of Clube da Esquina, always in a breathtaking way, as in “Caso de Amor” (lyrics by Bituca) and “Meu Ninho” (with lyrics by Ronaldo Bastos and recorded by Beto Guedes ).
Wagner's creations range from songs that marked the 20th century, including the redemocratization anthem, to erudite themes with strong experimental and visual characteristics. It was not by chance that he became involved in film sound artistry at a young age, being responsible for numerous soundtracks for notable national films such as \"A Ostra e o Vento.\" A considerable part of his songbook comes from works commissioned by filmmakers, with themes that gained space on his later albums. On screen sounds played a role in adding specific moods to the images, songs like “Santa Efigênia”, “Miranda”, “Chico Rei”, “Fantasia Guarani”, “O Grande Mentecapto” and “Inocência” acquired a life of their own. Admired by directors and documentarians, Wagner decanted in his soundtracks the spirit of an astute and restless researcher. His interest in exploring and investigating rhythms and genres, including those linked to his gypsy origin, gave him songs like \"Fiesta\", featured in a successful soap opera - other songs like \"Dona Beija\" also ended up on screen.
Despite the complexity of what he produced, often with only the company of the piano, his work definitely distances itself from the image of the romantic author isolated in his creative genius mind. It is a songbook that portrayers an intense dialogue with other artists and contemporary languages. These are themes that resonate with the places where he went, the dances of his youth, his experience both as a night pianist and as an arranger, the contact he established with musicians, his proximity to the Brazilian intellectuality of the last quarter of the 20th century and the use he made of new instruments and technologies. In the 80s and 90s, Tiso undertook a strong investigation beyond formal song, along with sounds from other corners of the world (“Baobá”) - and even on the theatrical stage, with the successful operetta “Manu Çuarê”. Always talking to lyricists, thinkers and directors such as Henfil, Walter Lima Júnior and Geraldo Carneiro, his compositions emerge from this context and feature partners as diverse as Ferreira Gullar, Murilo Antunes, Fernando Brant and Paulo Sérgio Valle, in addition to having set a sonnet by Luís from Camões.
Wagner's Brazilian music enters the same sound forest of Villa-Lobos and Tom Jobim - when listening to them, we perceive a profusion of sounds and songs that caress the spirit, but also always with a discharge of provocative thunderstorms that displace the common landscape. A songbook that surpasses the Brazilian spotlight hits; constantly turning the soil of the fertile music of our country from all regions - “O Frevo Ilumina a Cidade”, “Sambaxixe” and “Olinda-Guanabara”.
In this variety of genres that he explores in his songs, what stands out, along with the visual character, is a well-finished structure with solid walls, like the bricks of old farms in Minas Gerais. Making use sometimes of lyricism, sometimes of rapture with precision and instrumental virtuosity, Wagner seems to understand music spatially, knowing practically all the paths and the place to be occupied by each instrument and musician. And from this construction, he is always able to revise past landscapes with new colors and aim at the unknown horizon and in constant reinvention of music. Moving naturally from the core of MPB and international instruments to orchestras, the artist occupies a unique place in our music, just like his personal trajectory.
Born in Três Pontas, Wagner Tiso is part of a family with a strong artistic vein, descended from Eastern European gypsies who came to the south of Minas Gerais through their Italian grandfather in search of luck in the region's endless coffee plantations. Most uncles and aunts cultivated musical performance, professional or amateur. This experience was present at family parties, carnival bands, serenades and performances on radios and theaters - the group of cousins playing the accordion was very successful in the cities of the region. Not only an everyday life in which music was always close by, but formality through his mother Walda Tiso Veiga, a piano teacher who took the musical education of her children seriously between classes for the neighborhood and making cheese bread for the family in Três Pontas and then Alfenas. A knowledge that brought solidity, but asked for new leaps to what he really aspired to. Bored, he improvised in scales and arpeggios, much to his mother's despair. For him, music was warm and invited the unknown.
In the friendly countryside town, inspiration also came from the farms where he spent holidays with the Veiga family of his father, Francisco, and from the surrounding rural culture (“Mata-burro”). A music that manifested itself socially and bodily in the streets, “terreiros” (big piece of rural land), farms and clubs, but also in an inner ear that memorized what arrived as radio waves, what was heard from soundtracks at Cine Ouro Verde and in the orchestras and groups that passed through the Literary and Recreational Club of Três Pontas. With such rich raw material and talent at the tip of his finger, the fun was proposing new arrangements to what was heard and played, with opening voices and modern chords to the accordion and piano. This capacity to dominate the music of a time, to have it as a base, but also to reinvent it, is at the heart of this generation, especially in the figure of Wagner and Bituca, and in everything that this generation did.
Not allowing a harnessed horse (“cavalo arriado”, meaning good opportunities) pass by, as they say in Minas, Wagner went to Belo Horizonte and then to Rio, with emphasis on learning modern orchestration at the house of his friend Paulo Moura. With such a heavy musical baggage and a light spirit, the artist's music reached the main jazz festivals in the world in the 1970s and then reached the world with consistency, vigor and beauty. A unique songbook forged by Wagner Tiso's Minas Gerais and cosmopolitan train.

The grandeur of Wagner Tiso's work and career have itself more than enough credits for the Government of the State of Rio de Janeiro, through FUNARJ, to execute this project.
It is an initiative that we are proud of. We recognize in this songbook the appreciation of the artist, the preservation of his work and the democratization of access to a rich and fundamental repertoire for the understanding of our identity.
All of this is attribution of FUNARJ. For over 40 years, the Foundation has supported and encouraged artists. FUNARJ will continue to do so.

José Roberto Gifford
President of Fundação Anita Mantuano de Artes do Estado do Rio de Janeiro (FUNARJ)

A grandiosidade da obra e da carreira de Wagner Tiso são credenciais mais do que suficientes para que o Governo do Estado do Rio de Janeiro, através da FUNARJ, realize este projeto.
É uma iniciativa que nos orgulha. Nele temos a valorização do artista, a preservação do seu trabalho e a democratização do acesso a um repertório rico e fundamental para a compreensão da nossa identidade.
Tudo isso é atribuição da FUNARJ. Há mais de 40 anos, a Fundação apoia e estimula os artistas. E assim seguirá fazendo.

José Roberto Gifford
Presidente da Fundação Anita Mantuano de Artes do Estado do Rio de Janeiro (FUNARJ)

This songbook is the result of 10 years of research and dedication, but also of love, companionship, friendship, affection and complicity with the pianist, conductor, arranger, composer and Maestro Wagner Tiso. The idea for this project arose from the greatness of his work, throughout 60-years of his successful career, as well as the need for this musical legacy to be immortalized and accessible to future generations. Over the course of eight years, I dedicated myself to this project with zeal and passion. There were many challenges, both in research and production, but I was always in sync with the brilliant Maestro, who accompanied me with great enthusiasm and collaborated in everything, providing advice, support, and encouragement.
Congratulations, Wagner Tiso, for your dreamed songbook. I would like to thank Fundação Anita Mantuano de Artes do Estado do Rio de Janeiro – (Funarj) through President José Roberto Guiffor and his entire team, who made this dream come true. Just in time to celebrates the 50th anniversary of the release of the first LP by Clube da Esquina, a musical movement in which Wagner Tiso was one of the protagonists. Thank you to everyone who is with us on this journey.

Mariana Lisboa Tiso, producer

Este songbook es el resultado de 10 años de investigación y dedicación, pero también de amor, compañerismo, amistad, cariño y complicidad con el pianista, director, arreglista, compositor y maestro Wagner Tiso. La idea de este proyecto nació ante la grandeza de la obra creada por él, a lo largo de sus 60 años de exitosa carrera, pero también de la necesidad de que este legado musical fuera eternizado y estuviera disponible para las generaciones futuras. A lo largo de ocho años, me dediqué a este proyecto con esfuerzo y pasión, se enfrentaron muchas dificultades tanto en la investigación como en la producción, pero siempre estuve en sintonía con el brillante maestro, que me acompañaba con gran entusiasmo y colaboraba en todo dando su testimonio, su apoyo y aval.
Felicitaciones Wagner Tiso por su tan soñado libro de canciones, agradezco a la Fundación Anita Mantuano de Artes del Estado de Río de Janeiro - (Funarj) a través del presidente José Roberto Guiffor y todo su equipo, que hizo realidad este sueño, en el año en que se celebran los 50 años del lanzamiento del primer LP del Clube da Esquina, movimiento musical en el que Wagner Tiso fue uno de los protagonistas. Gracias a todos los que están con nosotros en este camino.

Mariana Lisboa Tiso, productora

“E tinha a família Tiso, que eu ficava meio assim, por que tudo era Tiso, música só Tiso. E tem um amigo nosso que chegou e falou: “Bituca vou chamar o Wagner Tiso para tocar com você, para fazer música, para tudo. E ele é diferente dos outros da família Tiso. E eu e o Wagner morávamos na mesma rua em Três Pontas e ele me falou que passava em frente à minha casa e ouvia o som da minha sanfoninha e dos quatro baixos e falava: “esse cara é diferente”. E o Dida falou para mim, que o Wagner era diferente. E era mesmo.
O Wagner tinha um lance de achar que eu era cantor e que eu precisava de gente que me acompanhasse a cabeça, o ouvido e tudo. E o primeiro foi o Wagner. E teve vários pianistas, várias coisas assim, mas igual a Wagner, ninguém.
E depois teve o Clube da Esquina e falaram, que foi considerado o disco mais importante na música brasileira.
Wagner, não foge de mim, não, para estar sempre comigo, por que você faz parte daqui! (E toca o lado esquerdo do peito).”

Milton Nascimento – Rio de Janeiro 2022

And there was the Tiso Family, which I was kind of like, because everything was Tiso, music only Tiso. And there's a friend of ours who came and said: “Bituca I'm going to call Wagner Tiso to play with you, to make music, for everything. And he is different from the others in the Tiso Family”.
Wagner and I lived on the same street in Três Pontas and he told me that he would pass by my house and hear the sound of my accordion and the four basses and once Wagner said: “this guy is different”. Dida told me that Wagner was different, and he was.
Wagner had a tendency to think that I was a singer and that I needed people to follow my head, ears and everything. And the first one was Wagner. And there were several pianists, several things like that, but like Wagner, nobody.
And then there was Clube da Esquina and they said it was considered the most important record in Brazilian music.
Wagner can’t run away from me, he will always be with me, because he belongs here! And he touches the left side of the chest (In reference to the song “Canção da America”).

Milton Nascimento – Rio de Janeiro 2022

“Y había la familia Tiso, que me rayaba un poco porque todo era Tiso, música solo Tiso. Y hay un amigo nuestro que llegó y dijo: “Bituca voy a invitar a Wagner Tiso para tocar contigo, para hacer música, para todo. Y él es diferente a los demás de la familia Tiso”. Y Wagner y yo vivíamos en la misma calle en Três Pontas y me dijo que pasaba frente a mi casa y escuchaba el sonido de mi acordeón y los cuatro bajos y decía: “este tipo es diferente”. Y Dida me dijo que Wagner era diferente. Y realmente lo era.
Wagner estaba seguro de que yo era cantante y que necesitaba gente que me acompañase la cabeza, el oído y todo. Y el primero fue Wagner. Y hubo varios pianistas, así como otras cosas del tipo, pero como Wagner, nadie.
Y luego surgió el “Clube da Esquina” que fue considerado el disco más importante de la música brasileña.
Wagner, no huyas de mí, estate siempre conmigo. ¡Por qué eres parte de aquí! (Y toca el lado izquierdo del pecho).”

Milton Nascimento - Río de Janeiro 2022